Graficos Panorâmicos

Como o tempo e a prática, uma simples “olhadela” no gráfico urodinâmico panorâmico (enchimento + esvaziamento vesicais) já fornece muitas informações sobre o padrão miccional do(a) paciente.

Logicamente, destrinchar o gráfico total em partes e de acordo com a importância e número de eventos traz muito mais informações para o diagnóstico, tratamento e prognóstico do distúrbio.

A seguir, exemplos de gráficos panorâmicos:


FMD, 72, fem - pós-AVC / prolapso urogenital


JHB, 31, masc - TCE


MFS, 69, masc - OIV / HPB


MSA, 27, fem - mielopatia infecciosa


JOPI, 77, mas - AVC / HPB


MEAS, 63, mas - neuropatia periféria (diabética)

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Cistometria (Enchimento Vesical)




O enchimento vesical normal deve ocorrer a baixas pressões passivas (sem contrações detrusoras), sem dor ou urgência miccional precoce ou oscilante e sem perda urinária de nenhuma etiologia. Obedecendo a esses parâmetros e havendo uma capacidade vesical normal (no adulto, 350 a 600 ml), o padrão pressórico de armazenamento se faz de modo a não colocar em risco a integridade morfofuncional do trato urinário superior (ureteres e rins). E, havendo competência e coordenação esfincterianas, não ocorrerá perdas urinárias.
A preparação do paciente se faz de modo que o mesmo fique o mais confortável possível. Ao mesmo tempo, a posição adotada para a realização da fase deve permitir a introdução das sondas (retal e uretral) com facilidade. A área de trabalho urinária (pênis, vulva e vagina) deve ser limpa com soluções antissépticas, para que infecções urinárias decorrentes da manipulação não ocorram.
Após a urofluxometria livre (sem sondas), que é, em geral, o início do exame, o(a) paciente deve ser colocado(a) o mais rápido possível na posição para cistometria e a sonda (ou sondas) uretral deve ser posicionada na cavidade vesical através do meato uretral utilizando-se lidocaína geléia e fixada externamente (usualmente com Micropore®). A rapidez desse procedimento confere credibilidade à medida do resíduo pós-miccional, importante dado da avaliação urodinâmica.
Uma vez a bexiga vazia, conecta-se o transdutor vesical na sonda uretral, fazendo o mesmo com o soro fisiológico a ser infundido. A sonda uretral pode ser única, mas com duplo lúmen, ou duas sondas simples podem ser introduzidas (medida da Pves e infusão). Depois de conectadas e fixadas, chega a vez de introduzir e posicionar a sonda retal com balão. Em geral não há a necessidade de fixar, pois o balão inflado com água faz esse papel.
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Urofluxometria: exemplos de traçados gráficos

Abaixo, exemplos de urofluxometria. A primeira, normal; a segunda, obstruída.
Notar diferenças consideráveis de tempo de micção (duração do fluxo) e fluxo máximo (pico de fluxo).




clique nas imagens para ampliá-las
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Urofluxometria

Urofluxometria - como o próprio nome diz - é a medição do fluxo urinário, baseada em tempo (t), volume urinado (vol) e fluxo (Q). O volume urinado dividido pelo tempo dá o que se chama de fluxo médio (Qmed). O ponto cujo fluxo atinge seu ápice é denominado fluxo máximo (Qmax) e corresponde ao ponto mais alto da curva gráfica.

O tempo é medido em segundos (s), o volume urinado em mililitros (ml) e o fluxo em mililitros por segundo (ml/s). Sendo assim, tem-se:

Qmed = vol ÷ t (fluxo médio é igual ao volume urinado, dividido pelo tempo de fluxo)


Há diferença entre o que é tempo de fluxo e tempo de micção. O primeiro é o tempo em que se passa urinado, sem contar o tempo das interrupções, ao passo que o segundo, o de micção, é levado em conta apenas o início e fim da micção, sem importar se houve ou não interrupções. Quando essas não ocorrem, o tempo de fluxo se igual ao tempo de micção.

É a parte da Avaliação Urodinâmica não invasiva e mais objetiva, pois permite que se verifique se há alterações do traçado de fluxo. Entretanto, não fornece com precisão a causa e/ou os fatores envolvidos na alteração miccional.

Para cada sexo e faixa etária há valores mínimos normais de fluxo máximo (ou pico de fluxo), bem como seus correspondentes em fluxo médio, que deve se situar entre 40 e 60% do máximo (pico).

Também na Urofluxometria avalia-se o “trajeto” que traçado reproduz. Há traçados em sino ou capana (normais), achatados, irregulares, contínuos, intermitentes, alongados ou, concomitantemente, mais de um dessas características.

De modo indireto, pode-se ter noções sobre a sensibilidade vesical. Por exemplo, um paciente que está sentindo um forte desejo miccional, mas que só urina cerca de 200 ml ou, o oposto, com um desejo não tão elevado, porém com um volume urinado em torno de 900 ml, o que apontaria para baixa sensibilidade.

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Partes (ou fases) da Avaliação Urodinâmica

A Avaliação Urodinâmica tem várias fases (ou partes) que podem ser realizadas (ou descartadas) de acordo com as necessidades do paciente e condições que o urodinamicista tem em mãos.

Usualmente, a avaliação é feita das seguintes fases:


Urofluxometria Livre

Cistometria (Cistomanometria, Cistometria de Enchimento ou de Infusão)

Estudo Miccional (Estudo Fluxo / Pressão ou Cistometria Miccional ou de Esvaziamento)


Em ocasiões especiais, podem ser utilizados os seguintes recursos:


Eletromiografia de Esfíncter Externo

Perfil Uretral (Perfil Pressórico Uretral)


Nas postagens seguintes, essas fases ou partes serão estudadas com mais detalhes.

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Paciente e equipamento: Preparo


Uma vez preparados - paciente e equipamento -, inicia-se o exame de acordo com o método adotado pelo médico realizador e com o software de urodinâmica utilizado. Não é objetivo aqui detalhar a preparação do paciente e do equipamento, mas será necessário fazê-lo para melhor entendimento das análises gráficas posteriores, mesmo que sucintamente.

Existem normas para a realização da Avaliação Urodinâmica. Cada profissional segue aquela que mais se identifica ou que tem mais experiência. A verdade é que cada um confere ao exame sua marca pessoal. Não pode ser diferente. O importante é que o resultado final traga benefícios ao paciente e subsídios para o médico solicitante.

Relaciono a seguir a rotina que sigo na fase pré-exame, que considero fundamental para um satisfatório resultado final.


Orientações

O paciente deve ser orientado na marcação do exame a vir de banho tomado, pelos pubianos aparados, ampola retal vazia, devidamente medicado e, se necessário, com um ou mais acompanhantes.


Indicações

Cabe ao médico solicitante a indicação do exame. Em condições momentaneamente limitantes, o paciente pode ser orientado a remarcar. Em caso de indicações absurdas, que ponham em risco a saúde do paciente ou que não sejam éticas, o realizador pode se recusar educadamente a fazer o exame.


Contraindicações

O exame está contraindicado (momentaneamente ou não) quando o paciente se encontra em uma ou mais dessas condições abaixo, exceto quando os benefícios suplantam os riscos ou uma melhor condição não possa ser aguardada ou obtida:

Infecção urinária e/ou genital aguda

Alterações da coagulação sanguínea

Período menstrual

Estados febris

Retenção fecal severa

Diarréia

Sob efeito importante de psicotrópicos

Depressão profunda

Ataque de ansiedade

Gravidez confirmada ou suspeita

Pós-operatório recente

Dor relacionado ao sistema urogenital

Hemorróidas, abscesso ou fissura anal sintomáticas

Dor intensa de qualquer natureza

Pico hipertensivo

Diabete descompensada

Portador de psicopatia em fase descompensada

Pacientes, pais ou acompanhantes agressivos ou que apresentem sinais de embriaguez por álcool ou drogas


Entrevista

É uma das partes mais importantes da avaliação urodinâmica, pois permite se inteirar das queixas, histórico e condições atuais do paciente e pode fazer a diferença entre um exame bem feito e um mal feito. Isso permite planejar o exame, evitando assim desperdício de tempo com manobras desnecessárias que não trarão benefícios ao diagnóstico e só desgastarão o paciente e a equipe. Uso para a entrevista um protocolo que invariavelmente sigo.

Geralmente mal informado sobre o exame, o paciente chega apavorado ao setor de urodinâmica por desconhecer o que será feito com ele. Normalmente, o receio mais evidente está relacionado a sentir dor e não é rara a indagação se vai receber anestesia. Outro ponto também frequente diz respeito ao constrangimento a que será submetido.

Nesta fase e de acordo com o grau de compreensão do paciente e de seu estado emocional, informo resumidamente os passos do exame e me coloco na posição de aliado dele e não de seu algoz. Uma vez sentindo-se seguro, o paciente cooperará com o exame e o resultado será profícuo para o mesmo, assim como para o médico realizador e para o solicitante.


Preparação propriamente dita

É provavelmente a fase que mais causa estresse e constrangimento, pois o paciente fica exposto em sua intimidade e as sondas serão introduzidas e conectadas ao equipamento de urodinâmica. Informar o que será feito e incentivar o paciente a colaborar pode ser uma boa tática, recompensada no final com um bom exame e com um diagnóstico menos susceptível a enganos.

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Eixos e Escalas

Para efeito didático, o campo 1 (vesical) será denominado Pves, o campo 2 (detrusora / abdominal) será Pdet / Pabd e o campo 3 (fluxo / volume), Q / Vol, respectivamente.


Eixos

O eixo vertical mede pressão (P) em cmH2O (centímetros de água) nos campos 1 e 2 evolume urinado (Vol) em mililitros (ml) e fluxo (Q) em ml/s (mililitros por segundo).

O eixo horizontal se refere ao tempo (t) em mm:ss (minutos e segundos) concomitante nos 3 campos.


Fig.02 - Eixos (clique na imagem para ampliá-la)


Escalas

A amplitude dos campos de pressão (vesical, detrusora e abdominal) pode ser ajustada para as escalas de 50, 100, 150, 200 ou 250 cmH2O quando da impressão do gráfico, assim como no campo de volume / fluxo em ml e ml/s, respectivamente. Quanto menor o valor da escala, maior fica a aparência do traçado gráfico, mas não há alteração na coleta numérica dos dados.


Fig.03 - Escalas (clique na imagem para ampliá-la)


O software desses equipamentos geralmente possui o recurso de zoom que “estica” o traçado, permitindo melhor visualização e análise de um segmento importante do exame ou que se deseje mostrar em detalhe mais evidente para o médico solicitante.

Obviamente, para que os dados sejam confiáveis, o equipamento necessita possuir um aterramento adequado, estar devidamente calibrado e sondas e transfusos devem funcionar na ausência de bolhas de ar, já que se trata de um sistema fechado.

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Campos de Registro Gráfico

Campos de Registro Gráfico

A avaliação urodinâmica é um exame funcional por excelência. Por essa razão, não cabe – obrigatoriamente – a esse método de diagnóstico avaliar e quantificar comprometimentos anatômicos. Mas, mesmo assim e de certa forma, também o faz. Interpretar gráficos urodinâmicos, em geral, é algo que parece complicado, assim como avaliar um ECG deve ser para quem não é cardiologista.


Fig. 01 - Campos (clique na imagem para ampliar)


Evidentemente, por estar em contato quase diário com esses gráficos, interpretá-los não representa grandes dificuldades para mim. É quase como se estivesse vendo um filme em minha mente referente ao enchimento e esvaziamento vesicais. Diria até que tudo parece ocorrer como se estivesse lá, presenciando ao vivo todos os eventos miccionais. Uma espécie de endoscopia mental.

É importante que o avaliador conheça os elementos do gráfico urodinâmico, pois ele é matemático em sua essência. Há vários tipos de apresentação gráfica de acordo com o fabricante e software utilizados. Particularmente, eu me adaptei à análise dos gráficos de 3 campos (ver figura 1), assim distribuídos:


Campo 1 (superior) – registro gráfico, ao longo do tempo, de pressões aferidas na cavidade vesical, não importando se sejam decorrentes de contração detrusora (voluntária ou não), de alterações da complacência vesical ou advinda de manobras abdominais (valsalva, por exemplo).

Campo 2 (médio) – neste campo, há a separação dos registros gráficos de pressões que advêm do detrusor - por ação passiva (complacência) ou ativa (contração) – das provenientes do aumento de pressão intra-abdominal. Em alguns momentos, os traçados se cruzam ou se sobrepõem.

Campo 3 (inferior) – registro gráfico ao longo do enchimento e esvaziamento vesicais de fluxo e volume urinários das perdas (se ocorrerem) e da micção.


A ordem de posicionamento dos campos pode seguir outra sequência, como, por exemplo, a colocação do campo volume / fluxo acima dos de pressão. Em alguns softwares, há a opção de desdobrar o campo 2 em dois campos independentes (um de pressão abdominal e outro de pressão detrusora). No mesmo programa, se necessário e selecionado, um outro campo pode ser adicionado e se refere ao registro eletromiográfico (EMG) do esfíncter uretral externo e da musculatura adjacente.

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Introdução

A verdade é que terminei a residência médica em Urologia (Recife-PE, Hospital Getúlio Vargas), porém mal tinha ouvido falar em Urodinâmica. Em junho de 1993 – meses depois de concluir a residência - embarquei para São Paulo e mergulhei no universo urodinâmico, de onde jamais me desliguei. Já se vão dezesseis anos dedicados a essa área e confesso: continuo tendo enorme prazer em realizar, interpretar e descrever esse exame.

Em São Paulo, nos meses que se seguiram, encontrei pessoas e profissionais que, de uma forma ou de outra, abriram meus caminhos nessa fascinante área da Urologia. Aportei no Serviço de Urologia do Hospital Amico – A Uroclínica -, comandada na época pelo Prof. Milton Borreli. Lá, estive sob a batuta do Prof. Márcio Josbete Prado. Ele estava às voltas com o projeto de tornar computadorizado o equipamento de urodinâmica Viotti, da empresa de mesmo nome, dirigida pelo Luis Fernando Viotti (já falecido).

Orientado também pela Sra. Gelda Campana Salvadori, musicoterapeuta e funcionária responsável pela realização do exame, aprendi o mais que pude sobre os meandros da avaliação urodinâmica. Na Uroclínica, fui apresentado ao Prof. Ricardo Spinola que, a pedido do Dr. Prado, colocou-me na AACD, local onde tive íntimo contato com portadores de bexiga neurogênica e com a Neuro-urologia, designação dada à subespecialidade naquela época.

A prática diária na AACD me ensinou algo importante: era preciso conhecer o básico de Neurologia para se tornar um urodinamicista competente. Não há como ser diferente. Se não tiver noções fundamentais sobre Neurologia não se pode fazer um exame seguro (dentro das limitações do método) e muitos diagnósticos podem ficar perdidos na “areia movediça” do tecnicismo puro e insuficiente. Se a urodinâmica dependesse apenas técnica para realização do exame, o médico seria dispensável.

Tenho a convicção hoje de que urodinâmica é muito mais que introduzir sondas, conectar transfusos e soros, ligar o computador, acessar o software, imprimir gráfico e fornecer laudo. Qualquer pessoa treinada – e nem precisa ser médico – é capaz de executar tudo isso, mas produzirá um exame sem alma e sem consciência. Urodinâmica envolve muito mais. É preciso ter paciência, bom senso, uma boa dose de psicologia e – principalmente – gostar de realizá-la.

E é assim que me sinto até hoje: casado com a Urodinâmica. Já se passaram onze a doze mil exames realizados e ainda tenho prazer em fazê-los. O segredo talvez seja não cair no engodo do impessoal, na armadilha da rotina. É conseguir perceber, apesar do “tudo muito repetitivo”, que sempre do outro lado da parafernália de equipamentos e materiais, há um paciente, um ser único. Esse sim, faz toda a diferença, pois nunca, nunca mesmo, houve ou haverá um igual a outro e nem mesmo os mesmos pacientes são iguais quando necessitam de uma avaliação urodinâmica por mais de uma vez.

Talvez toda essa história não tenha importância para as pessoas, colegas ou não. Mas para mim tem. E é isso que me importa. Muitos foram os que me possibilitaram desfrutar dessa tarefa profissional com sucesso e, ao mesmo tempo, desse prazer pessoal que é ser urodinamicista. Reconheço plenamente minhas limitações e o meu parco conhecimento do corpo humano, pois este ainda continua envolto em muitos mistérios e transcendências incognoscíveis. Por isso, sempre procurei fazer o melhor que pude, mesmo sabendo tratar-se de uma gota no mar. Apesar de gota, a contribuição foi e tem sido dada.

Não poderia deixar de me mostrar grato ao Prof. Luis Numeriano (in memoriam), renomado urologista pernambucano e possuidor de uma inteligência ímpar, que me incentivou a seguir o caminho urodinâmico. Minha sincera gratidão também ao Dr. Marcelo Costa Lima, grande e inesquecível preceptor de Urologia (muito mais pelo conteúdo de sua sabedoria médica e pessoal do que pelos milhares de esporros que levei).

Mesmo que não se lembrem, serei sempre muito grato aos Drs. Márcio Josbete Prado, atualmente residindo e atuando em Salvador-BA, Ricardo Spinola (de quem não tenho notícias há muito), da AACD-SP, Nélson Caprini Júnior, de Campinas-SP, Walter Muller e Fabrício Carrereti, esses dois últimos do Rio de Janeiro. De todos tentei “sugar” o máximo possível em cursos, congressos e estágios. Não poderia me esquecer de Manoel Pedro Soares, fundador e proprietário da Dynamed Eletromedicina, fabricante de equipamentos urodinâmicos entre outros, pelo apoio que jamais me faltou, quer fossem em eventos científicos, quer de modo pessoal e amigo. Mas o agradecimento mais que especial vai para o paciente, causa e conseqüência dos nossos atos médicos.

Este manual é uma singela tentativa de fornecer elementos para uma boa interpretação de gráficos urodinâmicos, baseado no que me foi ensinado e no que consegui angariar de conhecimento e experiência ao longo desses dezesseis anos de atuação no universo urodinâmico. Não se reportará profundamente à parte teórica, pois há um sem número de excelentes publicações sobre Urodinâmica à disposição na internet, livros especializados e revistas científicas. Terá - isso sim - seu foco na interpretação das reentrâncias, saliências, tortuosidades e magias dos traçados gráficos produzidos, que, em uma análise mais profunda, poderá resultar em mais saúde e felicidade para o enfermo.

Espero que seja proveitoso!

Carlos Bayma