Campos de Registro Gráfico

Campos de Registro Gráfico

A avaliação urodinâmica é um exame funcional por excelência. Por essa razão, não cabe – obrigatoriamente – a esse método de diagnóstico avaliar e quantificar comprometimentos anatômicos. Mas, mesmo assim e de certa forma, também o faz. Interpretar gráficos urodinâmicos, em geral, é algo que parece complicado, assim como avaliar um ECG deve ser para quem não é cardiologista.


Fig. 01 - Campos (clique na imagem para ampliar)


Evidentemente, por estar em contato quase diário com esses gráficos, interpretá-los não representa grandes dificuldades para mim. É quase como se estivesse vendo um filme em minha mente referente ao enchimento e esvaziamento vesicais. Diria até que tudo parece ocorrer como se estivesse lá, presenciando ao vivo todos os eventos miccionais. Uma espécie de endoscopia mental.

É importante que o avaliador conheça os elementos do gráfico urodinâmico, pois ele é matemático em sua essência. Há vários tipos de apresentação gráfica de acordo com o fabricante e software utilizados. Particularmente, eu me adaptei à análise dos gráficos de 3 campos (ver figura 1), assim distribuídos:


Campo 1 (superior) – registro gráfico, ao longo do tempo, de pressões aferidas na cavidade vesical, não importando se sejam decorrentes de contração detrusora (voluntária ou não), de alterações da complacência vesical ou advinda de manobras abdominais (valsalva, por exemplo).

Campo 2 (médio) – neste campo, há a separação dos registros gráficos de pressões que advêm do detrusor - por ação passiva (complacência) ou ativa (contração) – das provenientes do aumento de pressão intra-abdominal. Em alguns momentos, os traçados se cruzam ou se sobrepõem.

Campo 3 (inferior) – registro gráfico ao longo do enchimento e esvaziamento vesicais de fluxo e volume urinários das perdas (se ocorrerem) e da micção.


A ordem de posicionamento dos campos pode seguir outra sequência, como, por exemplo, a colocação do campo volume / fluxo acima dos de pressão. Em alguns softwares, há a opção de desdobrar o campo 2 em dois campos independentes (um de pressão abdominal e outro de pressão detrusora). No mesmo programa, se necessário e selecionado, um outro campo pode ser adicionado e se refere ao registro eletromiográfico (EMG) do esfíncter uretral externo e da musculatura adjacente.

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Introdução

A verdade é que terminei a residência médica em Urologia (Recife-PE, Hospital Getúlio Vargas), porém mal tinha ouvido falar em Urodinâmica. Em junho de 1993 – meses depois de concluir a residência - embarquei para São Paulo e mergulhei no universo urodinâmico, de onde jamais me desliguei. Já se vão dezesseis anos dedicados a essa área e confesso: continuo tendo enorme prazer em realizar, interpretar e descrever esse exame.

Em São Paulo, nos meses que se seguiram, encontrei pessoas e profissionais que, de uma forma ou de outra, abriram meus caminhos nessa fascinante área da Urologia. Aportei no Serviço de Urologia do Hospital Amico – A Uroclínica -, comandada na época pelo Prof. Milton Borreli. Lá, estive sob a batuta do Prof. Márcio Josbete Prado. Ele estava às voltas com o projeto de tornar computadorizado o equipamento de urodinâmica Viotti, da empresa de mesmo nome, dirigida pelo Luis Fernando Viotti (já falecido).

Orientado também pela Sra. Gelda Campana Salvadori, musicoterapeuta e funcionária responsável pela realização do exame, aprendi o mais que pude sobre os meandros da avaliação urodinâmica. Na Uroclínica, fui apresentado ao Prof. Ricardo Spinola que, a pedido do Dr. Prado, colocou-me na AACD, local onde tive íntimo contato com portadores de bexiga neurogênica e com a Neuro-urologia, designação dada à subespecialidade naquela época.

A prática diária na AACD me ensinou algo importante: era preciso conhecer o básico de Neurologia para se tornar um urodinamicista competente. Não há como ser diferente. Se não tiver noções fundamentais sobre Neurologia não se pode fazer um exame seguro (dentro das limitações do método) e muitos diagnósticos podem ficar perdidos na “areia movediça” do tecnicismo puro e insuficiente. Se a urodinâmica dependesse apenas técnica para realização do exame, o médico seria dispensável.

Tenho a convicção hoje de que urodinâmica é muito mais que introduzir sondas, conectar transfusos e soros, ligar o computador, acessar o software, imprimir gráfico e fornecer laudo. Qualquer pessoa treinada – e nem precisa ser médico – é capaz de executar tudo isso, mas produzirá um exame sem alma e sem consciência. Urodinâmica envolve muito mais. É preciso ter paciência, bom senso, uma boa dose de psicologia e – principalmente – gostar de realizá-la.

E é assim que me sinto até hoje: casado com a Urodinâmica. Já se passaram onze a doze mil exames realizados e ainda tenho prazer em fazê-los. O segredo talvez seja não cair no engodo do impessoal, na armadilha da rotina. É conseguir perceber, apesar do “tudo muito repetitivo”, que sempre do outro lado da parafernália de equipamentos e materiais, há um paciente, um ser único. Esse sim, faz toda a diferença, pois nunca, nunca mesmo, houve ou haverá um igual a outro e nem mesmo os mesmos pacientes são iguais quando necessitam de uma avaliação urodinâmica por mais de uma vez.

Talvez toda essa história não tenha importância para as pessoas, colegas ou não. Mas para mim tem. E é isso que me importa. Muitos foram os que me possibilitaram desfrutar dessa tarefa profissional com sucesso e, ao mesmo tempo, desse prazer pessoal que é ser urodinamicista. Reconheço plenamente minhas limitações e o meu parco conhecimento do corpo humano, pois este ainda continua envolto em muitos mistérios e transcendências incognoscíveis. Por isso, sempre procurei fazer o melhor que pude, mesmo sabendo tratar-se de uma gota no mar. Apesar de gota, a contribuição foi e tem sido dada.

Não poderia deixar de me mostrar grato ao Prof. Luis Numeriano (in memoriam), renomado urologista pernambucano e possuidor de uma inteligência ímpar, que me incentivou a seguir o caminho urodinâmico. Minha sincera gratidão também ao Dr. Marcelo Costa Lima, grande e inesquecível preceptor de Urologia (muito mais pelo conteúdo de sua sabedoria médica e pessoal do que pelos milhares de esporros que levei).

Mesmo que não se lembrem, serei sempre muito grato aos Drs. Márcio Josbete Prado, atualmente residindo e atuando em Salvador-BA, Ricardo Spinola (de quem não tenho notícias há muito), da AACD-SP, Nélson Caprini Júnior, de Campinas-SP, Walter Muller e Fabrício Carrereti, esses dois últimos do Rio de Janeiro. De todos tentei “sugar” o máximo possível em cursos, congressos e estágios. Não poderia me esquecer de Manoel Pedro Soares, fundador e proprietário da Dynamed Eletromedicina, fabricante de equipamentos urodinâmicos entre outros, pelo apoio que jamais me faltou, quer fossem em eventos científicos, quer de modo pessoal e amigo. Mas o agradecimento mais que especial vai para o paciente, causa e conseqüência dos nossos atos médicos.

Este manual é uma singela tentativa de fornecer elementos para uma boa interpretação de gráficos urodinâmicos, baseado no que me foi ensinado e no que consegui angariar de conhecimento e experiência ao longo desses dezesseis anos de atuação no universo urodinâmico. Não se reportará profundamente à parte teórica, pois há um sem número de excelentes publicações sobre Urodinâmica à disposição na internet, livros especializados e revistas científicas. Terá - isso sim - seu foco na interpretação das reentrâncias, saliências, tortuosidades e magias dos traçados gráficos produzidos, que, em uma análise mais profunda, poderá resultar em mais saúde e felicidade para o enfermo.

Espero que seja proveitoso!

Carlos Bayma